12.9.11

Reflexões sobre sofrimento e felicidade



Por Tales Nunes

A vida de grande parte das pessoas hoje, na sociedade em que vivemos, é movida por um sentimento chamado descontentamento. Como se dá isso? Bom, para entender esse sentimento, vou começar falando pelo seu oposto, o contentamento.

A chave do contentamento está na aceitação. Aceitação de nós mesmos, das situações e das pessoas ao nosso redor da maneira como elas são. Essa aceitação chama-se, em sânscrito, kshanti. Não é sobre o simples comodismo que estou falando aqui, mas da profunda compreensão da diferença que existe entre o que eu posso e o que não posso mudar.

Em relação àquilo que tenho condições de mudar, devo me esforçar. No entanto, em relação ao que não tenho capacidade de mudar, somente cabe a aceitação sem resistência. Se não fizer isso, estarei gerando descontentamento e, consequentemente, sofrimento. Existe uma prece que diz:

Abençoa-me com a serenidade
Para aceitar graciosamente
Sem resistência
Tudo aquilo que eu não posso mudar.
Abençoa-me com a vontade
O esforço e a coragem
Para mudar aquilo que posso mudar
O que talvez precise mudar.
Abençoa-me com a sabedoria
Com claro discernimento
Para distinguir aquilo que não posso mudar
Daquilo que posso mudar.

Essa é uma prece bonita, que nos ajuda a internalizar a idéia de que há coisas que podemos e outras que não podemos mudar. No entanto, a oração não nos diz concretamente o que está dentro da nossa capacidade de transformação e o que não está.

Tudo o que sai através dos nossos karmendriyas (órgãos de ação), são ações controladas, mas nem sempre conscientes. Ou seja, temos de fato controle sobre as nossas ações. Porém, os resultados dessas ações estão totalmente fora do nosso controle, logo devemos aceitá-los, quais sejam, isso se chama Isvara pranidhana, entrega, fé.

Esses resultados podem ser de quatro tipos: a) pode acontecer exatamente o que esperamos, b) pode acontecer menos do que esperamos, c) pode acontecer mais do que esperamos, ou d) pode acontecer algo completamente diferente do que esperamos.

É comum ouvirmos (ou falarmos) frases como “eu nunca esperava por isso, eu fiz tudo certo!”, quando a expectativa está relacionada a coisas ou “eu nunca esperaria isso de você, porque fez isso comigo!?” quando a expectativa está relacionada a pessoas.

É importante entendermos que, se já é difícil mudar a nós mesmos, é totalmente impossível a forma de ser ou agir dos demais. Tentar mudar outras pessoas pode trazer descontentamento, assim como não compreender ou não estar aberto às mudanças delas. Digo isso porque passo por um momento em que estou sendo chamado a colocar isto em prática, numa relação amorosa. Aliás, essa foi a motivação deste texto.

Porém, como explicar essa situação seria um longo parêntese, voltemos ao assunto. Aceitando as situações que não podemos mudar e as pessoas como elas são, estamos prestes a nos livrar de pequenos e grandes sofrimentos cotidianos. Mas, para termos essa compreensão é necessário um pré-requisito fundamental: estarmos em paz conosco. E estar em paz consigo significa conhecer-se, ver e aceitar as próprias limitações e entender quais são as suas reais necessidades.

"Quem sou eu?" "Para que estou aqui nesse mundo?" Estas são perguntas existenciais que quase todos nos fazemos em algum momento. E mesmo quem não as formula de maneira consciente, sofre igualmente as conseqüências de não ter as respostas. Se eu não souber quem sou, não conhecer minhas qualidades e limitações, como saberei para que estou aqui neste mundo?

Todos sentem suas limitações, uns mais claramente do que os outros. Mas a diferença entre quem sofre com elas e quem não sofre, é que o segundo as vê claramente, as aceita e aprende com elas, cultivando kshanti; enquanto que o primeiro as rejeita e inconscientemente projeta essa falta nos outros. Ou seja, projeta a responsabilidade pela própria felicidade sobre outras pessoas.

No entanto, o problema é que, como disse anteriormente, o outro está fora do nosso controle e quase nunca corresponde a nossa projeção. E então o resultado é o descontentamento e o sofrimento. Por outro lado, se eu estiver bem resolvido em relação a quem sou eu, a minha auto-imagem, mas não tiver claro para que estou aqui, qual é o meu dharma, provavelmente estarei infeliz com o que estou fazendo. Infeliz com o trabalho, projetando a felicidade no futuro, nos finais de semana, nas férias de final de ano, na aposentadoria ou em bens.

Projetar a nossa felicidade em bens materiais é conseqüência, também, do desconhecimento de nós mesmos, das nossas reais necessidades. E quais são as nossas reais necessidades? Ter esse discernimento, na sociedade de consumo em que vivemos hoje, não é algo simples. A todo momento, nossos sentidos são bombardeados por estímulos e nossa mente é convidada a creditar que meios são fins. Por exemplo: preciso de um meio de transporte para me locomover a longas distâncias em um curto período de tempo na cidade.

Esse meio transforma-se num fim à medida que sou convencido de que preciso do carro X, capaz de correr na velocidade Y, a qual nunca poderei alcançar porque as leis de tránsito não permitem. Além disso, a publicidade promete que, com aquele veículo, terei a mulher dos meus sonhos e, finalmente, a minha felicidade. Essa confusão entre meios e fins acontece com tantos objetos que podemos acabar por acreditar que nossa felicidade depende de conseguirmos esse tipo de objeto.

Em resumo, buscamos contentamento em outras pessoas, em bens materiais, em viagens. Às vezes até mudamos de cidade e de vida, achando que a felicidade finalmente virá. Mas, após uma dessas mudanças, alguns meses se passam e a miséria existencial, volta às vezes até mais forte do que antes.

A busca pela felicidade fora de nós mesmos nunca tem fim nem traz contentamento. Pelo contrário, nos deixa mais longe da paz, dando voltas incessantemente na roda do samsara. É apenas quando percoremos o caminho de volta, de retorno a nós mesmos, que começamos a nos aproximar da paz e do contentamento que todos procuramos.


Tales é professor de Yoga e mestrando em Antropologia na UFSC.

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